Para tratar de um assunto tão complicado, gostaria de iniciar por uma noção bastante simples: uma corrente é tão forte quanto seu elo mais frágil. Então, se você está em busca de construir (ou ingressar em) um laboratório de ciência de dados juridícos, dentro da sua universidade, é preciso investigar como está a força de cada uma das seguintes etapas:

  • Você tem pesquisas anteriores que já permitiram compreender o contexto jurídico de um campo delimitado? Em outras palavras, você já domina a área do negócio?
  • Sua pesquisa anterior se esgotou ou foi limitada pela ausência de dados? Ou seja, só é possivel alcançar um novo nível científico após desbravar esse horizonte?
  • Após confirmar as limitações do passo anterior, você formulou problemas cujas respostas podem ser obtidas a partir de dados?
  • Além dos problemas, você já formulou hipóteses passíveis de teste com esses dados?
  • É possível obter os dados demandados pela sua hipótese? Esses dados estão disponíveis ao menos de forma desestruturada?
  • Se necessário, você tem condições de estruturar esses dados?
  • Depois de estruturar os dados, você terá condições de manter a atualização e evoluir na modelagem dos dados? Em outras palavras, o quanto sua pesquisa é descartável?
  • Além de você, já existe uma equipe com cultura de dados que possa compreender os desafios desse tipo de pesquisa e está disposta a caminhar nessa direção?
  • Sua equipe tem uma rotina de trabalho e gestão do conhecimento que permitam tocar planos individuais relativamente simples em paralelo (por exemplo, alguns TCC), orientadas por marcos que amparem pesquisas mais sofisticadas no futuro (por exemplo, uma tese de doutorado)?
  • Você já documentou um ciclo de formação mínimo para embarcar novos pesquisadores? Existem alternativas mais econômicas a um ciclo de formação que dependa de você? Por exempo, já existe um curso de formação de ciência de dados de oferta regular e acessível aos potenciais membros da sua equipe?
  • Além de seus subordinados, você conta com pessoas com conhecimento de outras áreas que tenham condição de confirmar a viabilidade da sua ambição?
  • Ou seja, tendo como objetivo realizar pesquisas empíricas em direito (ciência social aplicada), você tem uma rede para evoluir em parceria com conhecimentos de suporte tecnológico (ciências exatas)?
  • Você está aberto a aceitar e orientar seu planejamento a partir dessa análise de viabilidade, conjugando projetos de pesquisa imediatamente viáveis e um horizonte de inovação a ser desbravado?
  • O resultado das pesquisas podem ser incorporadas a produtos que tenham valor para o mercado? Você já tem um plano para ter acesso ao mercado?

É claro que esse não é um caminho único. Existem diversos tipos de laboratório, principalmente quando se trata do contexto universitário, no qual boa parte dos recursos dos laboratórios são demandas de atividade de ensino ou de pesquisa básica. Mas, se você está envolvido na construção de um laboratório que tenha finalidade jurídica e que trabalhe com dados, talvez queira tomar certas cautelas. Afinal, tecnologia não e sua área principal.

Em conclusão, construir um laboratório não é o mesmo que comprar equipamentos. Um laboratório é construído em torno de problemas a serem solucionados. E esses não são problemas pequenos, pois exigem colaboração de diversas áreas para serem superados. O ambiente de trabalho e a cultura desse grupo de pessoas são os alicerces do laboratório. Na verdade, é algo bastante intangível.

Em um mundo no qual a infraestrutura tecnológica passou a ser consumida como serviço (computação em nuvem), ter os recursos físicos não é mais vantagem competitiva absoluta. O real desafio é desenvolver um trabalho que concilie pesquisa e inovação com a urgência e o pragmatismo demandados pelo mercado.

Afinal, nessa área, sem o mercado não há pesquisa financiada. E, sem dinheiro, não estarão presentes as demais condições para criar e manter um laboratório desse tipo. Minha recomendação é que não vá às compras no primeiro dia, pois antes você precisa responder à lista de perguntas listadas no inicio do post.


PS: Enquanto escrevia o post, tomei conhecimento que o CNJ, pela Portaria 25/19, criou um laboratório (chamado Inova PJe) e um Centro de Inteligência Artificial. Não acho que as reflexões do post seja plenamente aplicáveis a laboratórios institucionais. Na verdade, vejo mais o CNJ como uma instância decisória do que operacional. A operação propriamente dita ocorreria, por exemplo, em convênio com um laboratório acadêmico, cujo funcionamento descrevi no post.