Depois do hype da inteligência artificial jurídica: e agora?
No último British Legal Technology Forum, realizado em Londres nesta semana, foram discutidos vários assuntos relacionados a inteligência artificial aplicada ao direito. O blog Artificial Lawyer esteve lá e publicou uma reflexão interessante sobre uma nova onda de opiniões sobre inteligência artificial, a qual chamou de “Post-Hype AI Hype”.
Para quem não está familiarizado, hype é algo exagerado e com uma conotação negativa. Está em hype qualquer assunto que esteja dando o que falar, que esteja na moda, mas que ao mesmo tempo não tenha fundamento comprovado. No contexto da tecnologia, algo que esteja em hype traz consigo um grande receio de que o estado atual da tecnologia não seja suficiente para solucionar os problemas que se propõe a enfrentar.
O movimento atual, diagnosticado nesta semana ainda, sustenta que o ciclo de expectativas exacerbadas sobre o potencial da inteligência artificial estaria chegando ao fim. No lugar de discutir um futuro distante, esse movimento tem como objetivo refletir sobre aplicações práticas e imediatas, as quais geralmente demandam tecnologias já sedimentadas. Ou seja, formou-se um novo ciclo no setor contra a inteligência artificial - mas que não deixa de ser igualmente uma espécie de hype.
No fundo, temos agora um novo hype assumindo o lugar do outro. Nenhum deles foi deliberadamente criado, pois foi composto de uma soma de vozes que realmente acreditavam naquilo que prometiam como solução de todos os problemas. Hoje, recauchutado, o hype se organiza para evitar a terminologia até então celebrada, mas isso não é algo que venha sem qualquer dificuldade. Afinal, ainda que de forma imprecisa, inteligência artificial já é um termo incorporado ao vocabulário corrente. De toda forma, isso viabilizou a comunicação até agora.
Debater assuntos conexos falando de aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, classificação automática de decisões, entre outros termos, é algo que demandaria muito mais energia. Trata-se de algo que certamente não é do interesse das empresas que utilizam o jargão apenas como marketing, sem nenhum compromisso em embarcar a tecnologia que anunciam em seus produtos.
Parece que o termo inteligência artificial perdeu o seu frescor. Ao mesmo tempo - e não por acaso - algumas de suas promessas simplesmente não foram concretizadas para o mercado jurídico. Vivemos uma ressaca semelhante àquela que recentemente passou a medicina, pois a inteligência artificial não descobriu a “cura do câncer”. E nós continuamos sem a “cura para os processos”.
De ciclo em ciclo, o hype se revela como o próprio modo de ser de comunidades profissionais com domínio limitado sobre o que deveria ser discutido e compreendido em profundidade. Uma vez instalado, ele não se dissolve facilmente, sendo sucedido por uma nova promessa que também não se realizará. Esse encadeamento de promessas e frustrações é típico dos setores que consomem tecnologia, sem que tenham as ferramentas para sua compreensão total.
Assim, o hype é consequência da nossa própria falta de domínio técnico, da nossa consequente superficialidade nesse campo. São ingredientes adicionais o interesse de pessoas de alimentarem o hype, por exemplo, um conferencista que reafirme seu suposto saber ou empresas que vendam o hype, pois elas funcionam na lógica de uma comunicação imediata e facilitada.
Os elementos finais são as palavras inteligência e artificial, que transmitem um sentido bastante equívoco daquilo que realmente são quando utilizadas em conjunto. Seria melhor que essa tecnologia não tivesse seu conteúdo induzido por vocábulos que achamos que compreendemos, pois fazem parte da nossa linguagem em outros contextos.
Embora um advogado entenda plenamente os desafios jurídicos do seu trabalho diário, dificilmente compreenderia tudo o que circunda tecnologicamente os produtos disponíveis no seu mercado. Se ele fosse informado que a solução para os seus problemas estaria em usar inteligência artificial, muito possivelmente seria induzido a erro. Afinal, ele pode equivocadamente imaginar do que se trata. Em contraste, o mesmo advogado não seria afetado se recebesse um conselho para utilizar uma solução com base em “banco de grafos”.
Nomes técnicos não comunicam e também não vendem. Nesse sentido, a inteligência artificial é vítima dessa infeliz coincidência. Para escapar ao novo hype, será necessário que nossa comunidade se dedique a compreender o que realmente a inteligência artificial é e quais suas reais possibilidades. Do contrário, continuaremos na sucessão de hypes, que mais alienam do que informam.