IA na Folha de São Paulo: matéria ou publi?
A Folha de São Paulo publicou recentemente uma série de matérias sobre inteligência artificial. Apesar do anúncio incomum, o artigo não foi promovido como um publieditorial. Este é o cabeçalho da matéria de 20/02/20:
E este é seu rodapé:
Ou seja, pode até não ser um publieditorial, mas é uma coluna patrocinada com certeza. Isso demonstra que a Folha está engajada em uma atividade educativa (louvável), o que não nos desonera de considerar os patrocinadores quando encontramos alguma notícia que nos seja especialmente interessante.
Muito bem. Nesse contexto, a Folha publicou também em 10/03/20: "Inteligência artificial atua como juiz, muda estratégia de advogado e promove estagiário".
Como não sei se meu comentário seria autorizado no sistema da Folha, deixou aqui meu roteiro de leitura do artigo. Espero que, com essas advertências, a matéria se torne mais informativa sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) no Direito:
- Folha: "Segundo a versão mais recente do "Justiça em Números" (...), 108,3 milhões de causas tiveram início em versão digital de 2008 a 2018". Eu: Isso não é muito relevante para IA, uma vez que o que foi transferido para a plataforma digital foi a tramitação. Os autos continuam a ser PDF normais, os quais não fornecem facilmente o tipo de dados que sistemas inteligentes consomem.
- Folha: "Ilustração de Diana, nome dado ao programa de inteligência artifical do escritório Lee, Brock e Camargo Advogados". Eu: Sério?
Folha: "Macêdo utiliza no dia a dia o sistema, batizado de Elis (no Judiciário de Pernambuco)". Eu: Tudo bem que batizar coisas seja divertido. Mas será que precisamos de mais um robô em 2020?
Folha: "No texto da própria decisão está dizendo que foi Elis quem fez, para permitir transparência no processo, para que se saiba o que está sendo usado." Eu: Você coloca na decisão que foi feito em Word ou máquina de escrever?
Folha: "Segundo Juliana Neiva, secretária de Tecnologia da Informação e Comunicação do tribunal, o desenvolvimento da IA teve custo zero para a corte, pois foi desenvolvido por servidores do próprio órgão." Eu: Os servidores são custo zero?
Folha: "O STJ quer ir mais longe no uso da tecnologia e relata que já está em andamento o projeto Sócrates 2, no qual a ideia é avançar para que a IA em breve forneça de forma organizada aos juízes todos os elementos necessários para o julgamento das causas, como a descrição das teses das partes e as principais decisões já tomadas pelo tribunal em relação ao assunto do processo." Eu: Será que IA é a melhor (ou única) forma de fazer isso?
Folha: "Para lidar com esse problema, o escritório Lee, Brock e Camargo Advogados (LBCA) desenvolveu um aplicativo ligado a um sistema de IA. O mecanismo possibilita levantar, logo após conhecer quem são os depoentes da parte adversária, tudo o que essas testemunhas já disseram em outros processos, afirma Solano de Camargo, sócio fundador do LBCA." Eu: Alguém acha que precisa de IA para isso? Será que esse é realmente um problema central para um escritório de contencioso de massa? O importante não é saber o que o a testemunha falará sobre os fatos daquele determinado processo?
Folha: "O sistema de IA do escritório foi batizado de Diana e já consumiu investimentos de R$ 3 milhões nos últimos anos, diz Camargo. O custo inclui a implantação de um laboratório de tecnologia interno que conta com 41 integrantes." Eu: Com 41 integrantes, você nem precisa de inteligência artificial. Todo o sentido da tecnologia é dar mais produtividade para que você possa ter equipes pequenas.
Folha: "Exemplos de uso: O escritório Lee, Brock e Camargo Advogados (LBCA), de São Paulo, desenvolveu um sistema de IA e um aplicativo conectado a ele. Os advogados da banca podem abrir o aplicativo no decorrer de audiências e usar as análises do software para identificar, por exemplo, contradições de uma testemunha enquanto ela fala ao juiz" Eu: Preciso escrever um post sobre isso.
A Folha de São Paulo é um jornal muito importante e, no meu modo de ver, deveria ser mais seletiva em suas publicações. É natural que um jornal tenha anunciantes. Não é normal, contudo, desinformar dessa maneira. Seria bem legal que a Folha desse sequência na matéria de uma maneira menos capturada. Ou então deixasse mais claro quem é o anunciante, sob pena de se tornar apenas mais uma página na internet.