comparado
Posts sobre direito processual comparado e acesso à justiça.
Indicadores de eficiência judicial no direito comparado
Comparação entre os principais indicadores de eficiência judicial e os indicadores do CNJ.
Os estudos do CEPEJ (Comissão Europeia para Eficiência da Justiça) utilizam dois indicadores de eficiência. O primeiro é uma espécie de "índice de descongestionamento" (clearance rate) e o segundo é o "tempo de julgamento" (disposition time). Como é lógico, quanto menor for o tempo de julgamento da causa, menos congestionado o sistema será.
O primeiro indicador mede o número de casos resolvidos sobre número de casos recebidos. Essencialmente, este indicador é usado para avaliar a capacidade de um sistema judicial para lidar com o influxo de casos judiciais. Quanto maior o índice, mais o Judiciário será capaz de diminuir seu acervo. Trata-se de um índice que pode chegar a ser maior de 100%.
O CNJ, pelo Justiça em Números, denomina essa referência como índice de atendimento à demanda (IAD), que "alcançou 108,2% no ano de 2020, culminando em redução do estoque em 2.096 mil processos. Os seguimentos da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho superaram o patamar mínimo desejável de 100% no IAD, com destaque para a Justiça Estadual, que baixou 115,2% dos casos novos. No segmento da Justiça do Trabalho, apenas 7 TRTs registraram índices abaixo de 100%. Na Justiça Eleitoral, apenas dois tribunais apresentaram índice superior a 100% (TRE-DF e TRE-RR)".
Ou seja, no Brasil, o clearance rate se chama índice de atendimento à demanda.
E, como no Brasil, o congestionamento é um problema, o CNJ calcula também a taxa de congestionamento, usando no numerador a soma de casos não solucionados, em face de tudo que tramitou no ano. Trata-se de uma variação de perspectiva para cálculo do acúmulo, sendo um "indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de solução ao final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados)". Quanto maior, pior o índice, pois mostra o quanto o acervo não se renovou.
Para que o índice seja compreendido diante do nosso IAD, vale distinguir o tipo de evento que gera sua apuração. No caso do IAD, o evento relevante é a distribuição, que só ocorre uma vez na vida de cada processo. Assim, o IAD tem como objeto processos novos. Em contraste, no caso do cálculo da taxa de congestionamento, o evento relevante é a tramitação do processo, que ocorre diversas vezes no ciclo de vida processual.
Assim, a taxa de congestionamento tem como objeto processos que tiveram andamento, tornando-se, em tese, passíveis de solução pelo Judiciário. Se julgados, os processos alteram seu estado de pendente para baixado. Em outras palavras, o índice mede tudo o que foi movimentado, tendo a chance de ser solucionado, mas terminou não sendo solucionado. Ou, ainda de outro modo, o índice mede a proporção de processos que continuou pendente de julgamento, a despeito de ter sido movimentado.
O CNJ, pelo Justiça em Números, divulga que "a taxa de congestionamento do Poder Judiciário oscilou entre 70,6% no ano de 2009 e 73,4% em 2016. A partir desse ano, a taxa cai gradativamente até atingir o menor índice da série histórica no ano de 2019, com taxa de 73%. Em 2020, houve aumento na taxa de congestionamento na ordem de 4,3 pontos percentuais, voltando ao patamar de 2015."
Uma forma de interpretar os dados brasileiros consiste em dizer que, apesar do recente esforço em julgar mais do que chega, ainda existe um passivo difícil de ser diminuído. Por mais que o Judiciário enfrente o que chega, ainda levaria, em muitas instâncias, por volta de três anos para aplacar o passivo, mesmo que não fosse distribuído nenhum caso novo.
O outro indicador utilizado pelo CEPEJ (disposition time) é referente ao tempo de julgamento de um processo.
Trata-se de um indicador medido em dias, computado a partir da comparação entre os feitos pendentes e os resolvidos.
No caso brasileiros, em termos de tempo médio até a baixa de um processo, o Justiça em Números informa, por exemplo, que um processo leva 3 anos e 10 meses no primeiro grau e 2 anos e 2 meses no segundo grau. Ou seja, a soma das fases de conhecimento e recursal é de 6 anos. Mas, conforme sempre soubemos, o maior gargalo está na execução de título extrajudicial, pois dura 7 anos e 3 meses no primeiro grau. E o caso mais grave é o da execução fiscal, pois dura mais de 1 ano que as demais execuções extrajudiciais.
Como se nota, não é exatamente fácil compreender os indicadores judiciais. Além disso, a falta de paralelo entre os indicadores brasileiros e os estrangeiros torna as comparações ainda mais complexas.
De todo modo, é possível dizer que o atendimento à demanda (clearance rate) da Europa gira em torno de 99,7%, enquanto o do Brasil pode ser ainda maior. Isso não significa que a situação brasileira seja melhor, pois aparentemente o que acontece no Brasil é um rendimento maior no momento, sem prejuízo de um acúmulo enorme e persistente. Afinal, não é muito intuitivo que, no caso brasileiro, mesmo com um indicador de mais de 100%, o julgamento do acervo demande anos de trabalho - mesmo numa situação hipotética de suspensão da distribuição.
Já o tempo de julgamento é muito mais relevante para compreensão da saúde do sistema judicial, pois na Europa a mediana da duração de um processo é de 205 dias. Só o tempo de sentença no caso brasileiro seria o triplo, além de toda a demora recursal e também da fase satisfativa. Esse sim parece ser um indicador eloquente e que representa a situação que vivenciamos no Brasil.
Congestionamento e duração de processos na Europa e no Brasil
Comparativo do congestionamento e da duração dos processos a partir de dados do CNJ e do Conselho da Europa.
Conforme anteriormente tratado, existem dois indicadores amplamente utilizados no direito comparado quanto o propósito é medir a eficiência de um sistema judicial: o nível de atendimento à demanda e o tempo de duração dos processos. Recapitule aqui esses conceitos, se preferir:
No que concerne ao atendimento à demanda, temos vistos que o Brasil vem alcançando níveis próximos a 110% da demanda anual. Isso nos coloca próximos à Finlândia e a Portugal. O topo desse indicador é ocupado por Chipre, Grécia e Itália, o que confirma que - isoladamente - não se trata de um indicador suficiente para atestar a saúde e a qualidade do Judiciário.
Basta ver que a existem diversos países desenvolvidos ocupando a média inferior desse ranking, como é o caso dos seguintes: Reino Unido, Áustria, Holanda, Suécia e Alemanha:
Para além do nível de atendimento à demanda (IAD), existe um indicador mais útil, mas também mais complexo de ser retratado. Trata-se da duração dos processos. A ter início, o Brasil reporta o indicador médio em anos (6 anos de processo pendente entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição). Ou seja, a duração da fase de conhecimento de um processo passa de 2 mil dias no Brasil.
Mas, para ficarmos numa situação mais comparável, vamos supor que o tempo de duração de um processo no Brasil fosse apenas o de conhecimento no primeiro grau de jurisdição, o que equivale a quase 1.400 dias. Essa duração já seria 40% maior do que a o Judiciário mais lento da Europa. Então o processo no Brasil é muito demorado sob qualquer perspectiva.
Sendo incomparável com o padrão europeu de expectativa de solução tempestiva, nos cabe apenas reportar algumas curiosidades. Portugal, Itália, Reino Unido e Alemanha estão no grupo dos 10 mais lentos. Mas Portugal é três vezes mais lento que a média. A presença do Reino Unido nesse ranking é também algo digno de nota, pois Brasil, Portugal e Reino Unido reformaram recentemente seus sistemas processuais.
Ainda não sei se as reformas processuais desses países (que compartilham o valor de um juiz poderoso) foram causa ou consequência da demora. Suponho que essas reformas tenham aumentado o custo do processo, em termos de tempo e dinheiro, em Portugal e no Reino Unido. Seria um bom assunto para um próximo post. Estudar direito comparado é mesmo uma fonte inesgotável de hipóteses.
O último estudo do CEPEJ referente ao orçamento judicial na Europa é relativo ano de 2018. Quanto mais escuro o país, mais rico ele é em termos proporcionais (PIB per capita). Quanto maior o círculo, também proporcionalmente, mais caro é o Judiciário (orçamento judicial per capita).
O país que mais gasta anualmente é a Suíça (€ 220 /hab/ano), sendo igualmente o país de maior PIB per capita (€ 73.697 /hab/ano). Também destoando, Mônaco vem em seguida.
Existe um segundo pelotão, formado por Alemanha, Áustria, Holanda e Suécia, todos com renda intermediária (maior que € 40 mil /hab/ano). Ao que tudo indica, embora se trate de uma renda intermediária, cuida-se de um patamar suficientemente alto para formar o piso de um grupo de países comparáveis. Esses países gastam bastante dinheiro com o Judiciário.
Em contraste, ainda dentro países com renda intermediária e alta (maior que € 40 mil /hab/ano), há o grupo de países que investe menos que a média no Judiciário: Dinamarca, Noruega, Finlândia e Irlanda. Esses países não gastam muito dinheiro com o Judiciário.
Passando a analisar também os países com PIB um pouco menor (de € 26 mil a € 40 mil /hab/ano), é possível encontrar um bloco que gasta na média (de € 70 a € 80 /hab/ano). São eles: Bélgica, Reino Unido, França e Itália. Eles são uma espécie de média da média da Europa.
No mesmo período, o PIB per capita brasileiro foi de (€ 7.789 /hab/ano), considerando uma população de 209,5 milhões de brasileiros (Fonte: Banco Mundial). O orçamento judicial, por seu turno, foi de 102,1 bilhões para 2018, o que resultou no gasto per capita de R$ 489,58 (Fonte: CNJ). Isso coloca o Brasil com um gasto per capita da ordem de € 91,77.
Com todos os problemas que essa aproximação pode ter, existe algo que comprova seu valor. Trata-se de uma comparação proporcional, motivo pelo podemos concluir que o Judiciário brasileiro é caro, se comparado ao grupo de menor renda da amostra.
O nível de renda do Brasil permite comparação mais adequada com o leste europeu. Mesmo assim, o Brasil ocuparia um lugar em branco no diagrama europeu, pois nenhum dos países de menor renda gasta em torno de € 90 /hab/ano. Esse gasto é comparável ao da Espanha, cujo PIB proporcional é mais de três vezes maior. A renda por seu turno, colocaria o Brasil em linha com a Turquia, sendo esta sua posição aproximada no gráfico:
Num próximo post vou comparar os mesmos dados, não sob a perspectiva do habitante, mas sim do percentual do orçamento judicial sobre o PIB. É uma outra forma também de investigar se nosso Judiciário é caro ou é barato.
De acordo com o último relatório do CEPEJ (Comissão Europeia para Eficiência da Justiça), o Reino Unido não planeja ampla reforma de seu sistema judicial, nem alterar seu orçamento. Por exemplo, não estão em curso mudanças estruturais, alteração do número de tribunais, alteração da forma de gestão, construção de prédios, etc.
No que concerne a acesso à Justiça, há um projeto de lei para rever a assistência judiciária em casos criminais. A discussão é motivada por um maior controle dos gastos e sanções mais eficazes nos casos abusos na assistência judiciária.
Desde 2019 passou a existir o High Judicial Council, conselho formado por todos os magistrados do Reino Unido, cuja missão é promover a excelência no exercício da jurisdição. As funções executivas cabem a um Board, bem como à Judicial Studies Committe, que funciona à semelhança de uma escola da magistratura. O Conselho tem também função correicional conduzida por um comitê que tem membros externos em sua composição.
No que concerne às profissões jurídicas, está em discussão na Irlanda, desde 2017, um projeto de lei para dar mais transparência ao processo de indicação dos magistrados. A norma atual vigora desde 1995 e organiza o Judicial Appointments Comission.
O que se pretende é que a nova comissão (que tem maioria leiga) selecione e recomende os magistrados para nomeação, bem como viabilize ampla publicidade sobre os critérios exigidos aos candidatos. Uma das maiores mudanças do sistema deve ser a formação de listas tríplices, em vez de listas com sete nomes, como as atualmente elaboradas.
Além disso, desde 2018, o Mediation Act criou um sistema para a promoção de resolução de disputas por meio da mediação. O objetivo é reduzir os custos para as partes, tornando o processo mais célere.
Por fim, desde 2012, passou a existir o Penal Policy Review Group (PPRG), cujo objetivo é promover uma revisão ampla da política penal. O relatório apresentado em 2014 tem 43 recomendações e passou a ser acompanhado por um grupo de implementação desde 2015. Entre as medidas debatidas estão a busca de alternativas à custódia, a melhoria dos padrões de acomodação e serviços prisionais, exigência de mais disciplina o uso de programas de liberdade temporária.
Assim como no Reino Unido, Portugal tem um Código de Processo Civil recente. Por isso, a tendência é que, nos próximos anos, as reformas a serem feitas sejam concernentes ao custo da assistência judiciária, bem como o sistema prisional. Vale lembrar que os relatórios do CEPEJ não tratam apenas de processo civil, mas do direito como um todo.
Ainda pretendo desenvolver esse post, mas o que me vem à cabeça hoje é que existe um ciclo nas reformas. Elsa se apresentam como um adensamento de aspirações. Trata-se de um movimento que atinge toda a comunidade de um país e a comunidade científica de vários. Daí a existência de reformas concomitantes.
Depois da reforma, vem um tempo de nivelamento das expectativas. Grupos de trabalho são criados para acompanhar os resultados e enfrentar os problemas persistentes, como são a ampliação do acesso à justiça e seu custo de administração.
Enquanto isso, surgem novos ciclos de expectativa, como é a crescente expectativa sobre o potencial de aplicação de inteligência artificial na Justiça. Esse é um ciclo que está atualmente no ápice, razão pela qual o mais provável é que se inicie um ciclo de frustração e nivelamento das expectativas. E assim seguimos em ciclos, fazendo reformas como experimentos.